Lavoura arcaica - lavoura poética - lavoura tradutória: historicidade, atualidade e transculturalidade da obra-prima de Raduan Nassar*

A transgermanização de um solitaire da literatura brasileira [1]

Quando, em fins de 1975, em plena ditadura militar, aparece no Rio de Janeiro, na conceituada editora José Olympio, um pequeno livro de autor completamente desconhecido, com o estranho título Lavoura arcaica, [2] isto provoca uma sensação literária. A maioria dos críticos, jornalistas e professores universitários reagem cheios de respeito ou admiração, senão entusiasmo. E até hoje, para uma grande e fiel comunidade de leitores, esse romance curto é um livro cultuado e venerado, um livro cult. [3]

Tristão da Athayde resume as opiniões dos colegas, quando recomenda o livro para o prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras:

Lavoura Trágica [sic!], de Raduan Nassar, é obra de um jovem estreante que roça também o fenômeno da miscigenação, em São Paulo, pela imigração sírio-libanesa, embora não toque especialmente neste aspecto do problema [...]. Uma novela trágica em que se misturam evocações do Antigo Testamento, como Abraão prestes a sacrificar Isaac, com parábolas do Novo Testamento, como a do Filho Pródigo. Tudo isso, porém, à luz ou à sombra de uma filosofia pagã do destino implacável, numa luta insolúvel entre o mal e o bem, numa atmosfera bem brasileira, mas dominada por um sopro universal da tradição clássica mediterrânea, em que ressoa a dor imemorial das mães. Drama pungente e tenebroso, em estilo incisivo, nunca palavroso ou decorativo, da eterna luta entre a liberdade e a tradição, sob a égide do tempo. Livro impressionante, revelação de um autêntico escritor. [4]

Outros prêmios se seguem, como o Jabuti, da CBL (Câmara Brasileira do Livro), e o da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). [5] Por outro lado, mesmo naqueles que se entusiasmam por Lavoura arcaica, pode ser vislumbrado um certo desamparo, desorientação, perplexidade diante da incomensurabilidade do livro. Para Leyla Perrone-Moisés,

[...] a linguagem deste romance é de molde a inibir qualquer metalinguagem. é um discurso tão denso, tão desmesurado em seu lirismo, tão inusitado em suas ressonâncias bíblicas e islâmicas, que um comentário a ele aposto corre logo o risco de leviandade ou de insignificância. [6]

O livro simplesmente não cabe em nenhuma gaveta, nenhuma corrente literária, nenhuma definição e classificação, nenhuma moral, oferecidas pela crítica ou teoria literária ou corrente ideológica, o que continua sendo assim, até os dias de hoje. Um dos primeiros estudos intertextuais considera este livro um bloco errático:

Apesar de Lavoura arcaica resgatar muitos textos alheios, o romance traz uma linguagem tão convulsionada e percorre um trajeto tão singular na literatura brasileira que, ao tentarmos contextualizá-lo, percebemos que este é um romance solitário [...] um iceberg: um bloco que se desprendeu de uma massa maior e que vaga errante. [7]

Esta fama extraordinária não se limita à esfera da crítica literária, tendo também o seu lado 'mercadológico'; pois Lavoura arcaica, se não é exatamente um best-seller, já vendeu 21 tiragens só da terceira edição, de 1989 para cá, 2005, ou seja, mais de cem mil exemplares, e continua presente na vida cultural do Brasil, um clássico moderno que ganhou novos leitores graças ao filme homônimo de 2001, igualmente aplaudido e premiado, de Luiz Fernando Carvalho. [8]

A trama é relativamente simples, pois segue, como quase todos os críticos já assinalaram, a certa distância a história do Filho Pródigo do Evangelho segundo São Lucas, mas com modificações fundamentais, principalmente no desenlace infeliz que a transformam numa espécie de paródia da parábola bíblica. [9] O romance todo, que no fundo pode ser considerado uma novela, com peripécias dramáticas e, no final, o «acontecimento inaudito» que, segundo Goethe, faz parte desse gênero literário, tem uma ação breve que se passa no seio de uma família rural, patriarcal, com três filhos homens e quatro filhas.

A trama imediata, do primeiro plano, abrange três cenas, todas lembradas e narradas, algum tempo depois, pelo protagonista, André, na primeira pessoa, de maneira que o todo é um monólogo, não se sabendo o motivo nem o destinatário da sua redação. A primeira cena se passa na tarde em que André, naquela altura um adolescente de dezessete anos, é procurado pelo irmão mais velho numa simples pensão do interior, a fim de, em nome dos pais, ser levado de volta para a fazenda paterna. Esta cena (capítulos 1-21, de 30 capítulos em total) coincide com a primeira parte do livro, intitulada «A partida», ao passo que as duas outras cenas (capítulos 22-30) pertencem à segunda parte do livro, intitulada «o retorno». Na segunda cena - ocupando os capítulos 22-27, sendo o capítulo 28 um breve intervalo no fluxo narrativo, uma cesura contemplativa resumindo o livro todo - que se passa, provavelmente, no dia seguinte, vemos os dois rapazes chegando em casa, de noite, onde o fujão aparentemente arrependido inicialmente é saudado calorosamente pela família, mas se envolve numa discussão áspera com o pai, ao qual só aparentemente se submete no fim, diferentemente do filho bíblico. A terceira cena (cap. 29) coincide com a festa de boas-vindas no dia seguinte, Domingo de Páscoa, que acaba tragicamente com a morte da irmã e amante do protagonista, assassinada pelo pai que, por sua vez, é pranteado pela família. O capítulo 30 é um epílogo, dúbio como o livro todo, citação de um antigo sermão do pai presumivelmente morto, que retoma a figura do pensador do nono capítulo, inspirada na famosa escultura de Rodin, Le Penseur.

No meio destas cenas evocadas pelo narrador se encontram, entremeadas, lembranças da sua infância como também da fase mais recente de sua adolescência, imediatamente anterior à sua fuga. Esta parece ter como motivo imediato o amor entre o narrador e a irmã, Ana, paixão absorvente que é a mola-mestre da trama, oculta no início, aos poucos revelada nos diálogos entre os irmãos. Ou seja, as cenas nos três dias da trama propriamente dita, presumivelmente de Sexta-feira Santa até Domingo de Páscoa que são todas lembranças do narrador-protagonista, compreendem por sua vez lembranças de situações e sensações anteriores, intercaladas principalmente na primeira cena, no longo diálogo entre André e seu irmão mais velho Pedro (cap. 1-21). Em parte são lembranças diretas, a partir do momento em que a história é narrada e escrita, mas em grande parte são lembranças lembradas, ou seja, fragmentos fugazes de memória que passam pela mente de André, nos diálogos e no fluxo de consciência, durante a fuga e o retorno que constituem a trama de primeiro plano do livro. Embora a infância seja recordada com saudade, o narrador se atribui, já enquanto menino, uma mescla de inocência, ternura, malvadez e vontade do poder que prefigura o amor egocêntrico que ele teria mais tarde pela irmã, juntando uma libido desenfreada com carinho sincero e prazer pela dominação, humilhação e até destruição do ser amado. As imaginações e lembranças se seguem tão rápidas que o leitor, à primeira vista, se sente inundado por uma cascata de pensamentos, ações e imagens desconcertantes, também alusões intertextuais que cobrem três milênios de literatura e mitologia, ocidental e oriental.

As recordações do narrador, em grande parte seqüências perturbantes, oníricas, alucinantes de imagens e idéias desconexas, tomadas dos mais diversos segmentos da realidade juntados em frases infindáveis, vindo aparentemente do inconsciente ou semi-consciente, pouco filtradas pelo intelecto, lembram a escrita automática do surrealismo. As falas do pai, selecionadas também pela memória do filho febril, ofegante, quase desvairado, parecem mais acessíveis, sendo sermões monumentais, filosóficos, bíblicos que respeitam, mais do que as falas do filho, a clareza lexical e as convenções gramaticais. Quem, porém, quisesse seguir e entender mesmo todas as sutilezas das palavras, da sintaxe, da trama, da seqüência das idéias e imagens, principalmente na fala do narrador André, ficaria logo perdido.

Perdido também poderia sentir-se o tradutor diante de um texto tão singular como esse poema em prosa, lírico no fluxo de consciência do eu narrador, retórico na fala do pai, dramático nas colisões, ora sonhador, ora concreto e realista, entre o êxtase e o cotidiano, entre a mitologia grega, os rituais do cristianismo e o dia-a-dia numa pequena fazenda tradicional. Seria difícil aceitar e mais difícil ainda recusar o desafio, assustador e fascinante, de recriar essa desmesura contida, essa exuberância densa, esse barroco opulento, mas também enxuto e conciso, esse excesso domado, essa tensão emocional e lingüística que quase faz estourar o texto, e que realmente estoura a família patriarcal que nele se torna palavra.

Quando se trata de traduzir um clássico sempre se coloca a pergunta: qual a melhor versão do original? Pois nesses casos quase sempre há diversas edições, publicadas sob a responsabilidade do autor ou não. Pode eventualmente haver também edições críticas ou comentadas, e podem existir ainda os manuscritos, uma ou várias versões preliminares, não publicadas, todavia eventualmente importantes para elucidar trechos problemáticos no texto. é que todo livro tem erros ou obscuridades involuntárias dos mais diversos tipos: de ortografia, gramática, pontuação, lógica interna, lógica externa, léxico, onomástica, e outros. E num texto semi-hermético, como Lavoura arcaica, pode haver inconsistências as quais o leitor crítico estaria inclinado a considerar erros ou defeitos, mas que na verdade são rupturas intencionais de convenções da estética ou da lógica. O tradutor, porém, precisa ter a certeza de que o texto que ele vai traduzindo é confiável em todos os detalhes e, para isso, ele tem que conferir, na medida do possível, as diversas edições, falar também com o autor, quando este ainda vive, e com outros especialistas, e proceder eventualmente a emendar corruptelas, produzindo, em certos trechos, o seu próprio texto crítico, virtual, claro, que é a base da tradução. No caso de Lavoura arcaica, usei a terceira edição, da editora Companhia das Letras, publicada em 1989, pois ela é, por enquanto, a última que o autor publicou, e que mais fielmente corresponde às suas intenções. Em um ou dois trechos preferi a primeira edição, da José Olympio, de 1975, quando me parecia mais expressiva. [10] Em algumas poucas passagens realizei emendas, depois de consulta ao autor. Infelizmente, não tive acesso à segunda edição, publicada pela Nova Fronteira, em 1982; seria, aliás, interessante comparar sistematicamente as três edições existentes para reconstituir a gênese do texto atual.

Numa primeira fase, a tarefa do tradutor consiste em analisar, desvendar, dissecar o texto de partida em sua feitura, ver, ouvir, saborear como ele é feito, examiná-lo em sua anatomia e fisiologia por assim dizer, observar e pesquisar a vida do texto, o modo como as partes funcionam e se articulam dentro da composição toda. é preciso conhecer também a sua recepção, para poder recriar outro texto que seja parecido ao original, despertando e provocando no leitor estrangeiro pensamentos e sentimentos semelhantes aos que tem ou deveria ter o leitor da língua de partida. No caso de Lavoura arcaica fica logo claro que se trata de uma obra literária escrita com um esmero pouco comum na literatura do século XX, depois de o protesto das vanguardas contra convenções esclerosadas ter levado alguns autores ao equívoco de certa informalidade e até ao menosprezo por formas e estilos.

Sendo Lavoura arcaica considerado um texto difícil, coloca-se naturalmente a questão da sua traduzibilidade. Por outro lado, para um tradutor, não há texto fácil nem texto com dificuldades insolúveis. De certa forma, toda tradução é difícil, até impossível, e toda tradução é possível, embora nunca fácil. Quando se faz um trabalho cuidadoso e criativo, com meticulosidade e imaginação, e quando se tem alguma sorte, a tradução não é apenas uma reprodução imperfeita do original, mas uma obra de arte autônoma e ao mesmo tempo uma interpretação capaz de lançar nova luz sobre o original. Mesmo no caso de uma história infantil, tida como fácil, não exigindo pesquisas sobre inusitados vocábulos de duplo ou triplo sentido, remotas expressões idiomáticas ou intrincadas construções sintáticas, pode ser terrivelmente difícil criar uma obra-gêmea, ou melhor: obra-irmã em outra língua, pois, entre os idiomas nunca há uma correspondência um por um, nem nos planos das palavras e das estruturas sintáticas e muito menos nos planos dos sons e das metáforas. Todo idioma organiza a realidade diferentemente, de modo que nunca os campos semânticos de determinado segmento da realidade em duas línguas se igualam, nem os focos narrativos, nem a organização do tempo e do espaço. Não é exagero afirmar que traduzir é produzir uma seqüência de inevitáveis «erros» e «defeitos», ou seja, uma organização de diferenças denotativas e, mais ainda, conotativas entre elementos análogos do texto de partida e do texto de chegada, defasagens que podem ser ínfimas, pequenas ou médias, esperando-se que o conjunto da tradução, esse puzzle de pequenos «erros», se assemelhe ao original, gerando impressões parecidas no intelecto, na sensibilidade e na afetividade do leitor.

Ainda mais difícil será a tarefa do tradutor, quando o original rejeita a compreensão imediata das palavras e frases, como é o caso em inúmeros trechos de Lavoura arcaica, livro semi-enigmático para quem quiser acompanhar e imaginar com clareza e nitidez as palavras, frases, ações, emoções, idéias e imagens evocadas. Aqui o tradutor, em quase cada palavra, cada metáfora, cada articulação sintática, cada vírgula, se vê diante da tarefa de interpretar, avaliar, estabelecer a organização das formas e significados muitas vezes dúbios e ambíguos ou múltiplos, para em seguida «transcriar» essas qualidades estéticas, como diria Haroldo de Campos. Estas dificuldades podem ser maiores para o tradutor do que para um leitor normal, que muitas vezes nem percebe que não está percebendo plenamente do que se trata, nem adivinhando eventualmente quais os significados importantes que se lhe escapam, pois, a grande familiaridade do leitor com a língua do original pode insensibilizá-lo para certas obscuridades, conotações remotas, alusões meio ocultas. O tradutor precisa, no entanto, de reconstituir, em princípio, todas as denotações e conotações das palavras, o registro estilístico, ao nível paradigmático, e também as relações sintáticas, sonoras, afetivas entre elas, ao nível sintagmático. Pois o tradutor deve, na medida do possível, evitar que seja uma espécie de filtro ou censor; o ideal seria que transmitisse todas as qualidades do original ao livro-alvo, para que o leitor da tradução possa fazer a sua própria interpretação.

Posterior ou simultaneamente, o tradutor vai «apagar» toda essa análise, transformando-a, transfigurando-a por sua vez em forma estética, mediante o instrumental da língua-alvo. Aí o tradutor, para sua decepção e melancolia, vai ver o que já sabe, ou seja, que quase nunca é possível recriar todas as ramificações semânticas, todas as alusões, todas as sutilezas do registro estilístico e todas as dimensões metafóricas, muito menos ainda as qualidades fônicas do texto. [11] Para nem falar das qualidades do original que possam lhe ter escapado. Então ele tem que estabelecer uma hierarquia das prioridades e decidir quais dos traços característicos do original precisam e podem ser resgatados e transmitidos ao texto de chegada, e quais podem ser sacrificados, ou, eventualmente, resgatados em outro trecho do livro, através de uma estratégia compensatória. Muitas vezes são decisões difíceis, tomadas depois de longas hesitações e debates dentro da mente do tradutor, para quem a perfeição, por princípio, é uma utopia, uma miragem necessária, uma meta desejada, mas nunca atingida. Só podem existir soluções aproximadas, pois o ideal, a solução perfeita, seria a reconstituição, no conjunto e em todos os detalhes, do original, e nem esta, se fosse possível, seria idêntica com ele, como nos mostra Jorge Luis Borges no seu fantástico conto «Pierre Menard, autor del Quijote» (Borges 1971b).

Uma poética do múltiplo sentido e da ambigüidade

Nassar, mestre do sentido duplo, triplo, quádruplo e cambiante de palavras e construções sintáticas, prefere expressões polissêmicas, afetivas, alusivas, ambíguas, fortes em poder evocativo e emocional, podendo até dispensar uma concatenação sintática completa. Palavras que penetrem no âmago da nossa alma e que nos remetam às origens da civilização. Palavras trans-históricas e trans-culturais, arcaicas e moderníssimas, assustadoras e libertadoras. O que se torna óbvio logo no início do romance, na primeira página, nos substantivos: «Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto». «Os olhos», «o teto», «a nudez», «o quarto», e outros: palavras fortes, sugestivas, corriqueiras, estranhas, monumentais e fugidias ao mesmo tempo, graças ao vínculo sintático solto, com pontuação insólita, de modo que a primeira frase flutua e se estende por três páginas, o capítulo inteiro. Para cada uma dessas palavras existem vários termos em alemão, como «quarto», «individual», «corpo», «colher», «molhado», «dinâmico», e para a ordem sintática sempre há diversas maneiras de refigurá-la, principalmente no alemão com sua relativa liberdade na colocação das palavras dentro da frase.

Devido à sua maneira diferente de encarar a realidade, de organizar os campos semânticos e articular as palavras, sempre a língua para a qual se traduz induz e até obriga o tradutor a fazer perguntas inusitadas ao texto de partida. Cada língua de chegada é para o texto de partida uma espécie de aparelho de raios-X, revelando significados e estruturas às vezes nem imaginadas pelo leitor do original. Um exemplo aparentemente banal é o plural «os irmãos», freqüente neste romance sobre a vida de uma mini-empresa familiar, em que os filhos são mão-de-obra indispensável. O campo semântico do parentesco na língua alemã obriga o tradutor a perguntar se «os irmãos» são «os irmãos masculinos» («Brüder») ou «os irmãos masculinos e femininos» («Geschwister»), pergunta nada fácil, em certos trechos, de se esclarecer, de modo que com respeito a determinadas ocorrências de «irmãos» nem o próprio autor, consultado, teve certeza absoluta. Talvez ele queira expressar certa indefinição, a qual, no caso, dificilmente se pode manter em alemão, pois, seria estranho traduzir mais ou menos assim: «Eu fui para a lavoura com os irmãos masculinos, mas possivelmente só com um irmão masculino mais uma ou duas ou três ou quatro irmãs, ou com dois irmãos mais uma irmã etc.», o que está implícito em «os irmãos». Não se podendo manter este duplo sentido, eu «decidi» que, em determinado trecho, André vai para a roça só com os irmãos masculinos, deixando as irmãs trabalhando em casa, o que corresponde à divisão patriarcal do trabalho. Evidentemente, isto é uma interpretação induzida e até imposta pela língua alemã, e pelo contexto do livro e, em outros trechos, «irmãos» tem que ser traduzido por «Geschwister» mesmo.

Desde o início do romance se nota o jogo das sonoridades, as repetições de fonemas, sílabas e palavras, as aliterações, as assonâncias, as rimas, anáforas, toda uma estrutura fônica que é preciso tentar imitar e reconstruir com os recursos da língua alemã, para que a tradução possa provocar no leitor uma impressão tão fascinante e mágica quanto o original. Essa sonoridade rítmica pode ter efeito duplo, distraindo o leitor e lhe insinuando ao mesmo tempo o que está acontecendo na cena inicial do livro, pois os sinais são concretos e confusos ao mesmo tempo, e só aos poucos o leitor vai se dando conta de que se trata de uma masturbação. Esse jogo entre mostrar e ocultar, clareza e obscuridade, close-up e desfocado, o tradutor tem que recriá-lo, pois ele, em princípio, não deve ser mais explícito do que o autor, ao contrário, deve ser claro e exato na recriação do não-claro e do não-exato, transmitindo esse lusco-fusco ao leitor de chegada. Só eventualmente, no caso das pressuposições culturais, elementos da realidade extra-literária, que o leitor do original conhece e que o leitor da tradução desconhece, é que o tradutor pode e deve ser um pouco mais explícito do que o próprio autor, complementando os conhecimentos do leitor estrangeiro sobre a cultura de partida.

Algumas palavras reaparecem volta e meia, palavras-chave, balizas ao longo do texto, como por exemplo «corpo», «palma», «quarto», o verbo «colher», «enfermo» (em vez de «doente»), «veneno», «peçonha», «textura», «caroço», «piedoso», «união», «cioso», «fibroso», «corrente», «antigo», «velho», «versátil», «forjar», «torpe», «ordem», «concerto», «ferros» e outras. Um termo importantíssimo no romance, pertencente ao fecundo campo semântico da doença, que resiste teimosamente à tradução, é «virulento», que pode ser muita coisa em alemão, menos o seu correspondente etimológico: «virulent». Pois esta palavra Sobre cada uma dessas palavras e suas ocorrências no romance se poderia escrever quase um ensaio inteiro. O autor as repete com intenções estratégicas, assim como faz um compositor num rondó, por exemplo, retomando diversas vezes o mesmo motivo ou sub-tema, mas dando-lhe em cada ocorrência um novo timbre, um outro matiz, um papel e significado um pouco diferente, brincando com conotações, etimologias, alusões e valores metafóricos, mobilizando todo o potencial que lhe é inerente. Por um lado, a repetição de palavras idênticas ao longo do livro gera um fio condutor, o que os lingüistas chamam de isotopia, isto é, palavras ou expressões idênticas que ao repetirem-se estruturam esse romance algo intransparente e desorientador à primeira vista, dando-lhe consistência e permitindo ao leitor acompanhar melhor a trama e os personagens. Por outro lado, o significado variável e versátil dessas palavras gera uma impressão difusa, irisante, uma tensão e vacilação entre identidade e variação.

Nenhuma dessas palavras tem correspondentes perfeitos em alemão cobrindo todo o leque de significados literais e metafóricos, denotativos e conotativos. Assim, «virulento», «textura», «caroço», «amassar», «forjar» e muitas outras deram certa dor de cabeça ao tradutor, pois em cada nova ocorrência mudam um pouco de sentido. Pode ser que para um termo do original haja dois ou mais na língua de chegada, ou vice-versa, ou seja, que para dois ou mais termos do original a língua-alvo só ofereça um só termo correspondente. No primeiro caso a língua-alvo obriga o tradutor a fazer diferenciações e desambigüizações em relação ao original, no segundo ela o obriga a fazer o contrário, a simplificar, a «desdiferenciar», a criar ambigüidades que eventualmente não existam no original. Exemplo para o primeiro caso é uma palavra tão simples quanto «corpo», freqüente e essencial no texto, que para o tradutor constitui um problema, pois em alemão existem pelo menos dois termos que aí se oferecem: «Körper» e «Leib». Então, o tradutor tem três opções: ou manter sempre «Körper», ou manter sempre «Leib», ou variar, conforme a conotação preponderante em determinada frase, de modo que, na verdade, tem dezenas de opções para traduzir essa palavra na totalidade das ocorrências. Qualquer que seja a sua decisão, ela vai influenciar a interpretação que o leitor alemão vai fazer do romance. «Leib» é de um registro bastante elevado, poético e espiritual, inclusive religioso, significando no entanto também «ventre», e aludindo a «Leben» («vida»), pois soa parecido e tem a mesma etimologia; ao passo que «Körper» é uma palavra mais neutra, objetiva, cotidiana, banal, também mais bem fria e científica, sugerindo portanto coloquialidade, mas também visão anatômica e fisiológica, dependendo do contexto.

No caso de «veneno» e «peçonha», metáforas usadas para caracterizar a força sedutora de Ana dançando (cap. 5 e 29), o campo semântico em português, ao contrário, é mais diferenciado e rico, pois em alemão só existe, como correspondente-padrão, «Gift». O que fazer? Se o autor usa, estrategicamente, os dois termos, é porque em português há uma nítida diferença entre eles, uma graduação na escala da periculosidade, sendo em geral uma peçonha, de origem animal, mais venenosa, mais «peçonhenta» do que um veneno, de origem vegetal. Então traduzi «veneno» simplesmente por «Gift», e «peçonha» por «Natterngift», que seria «veneno de víbora», uma intensificação de «Gift», de modo que esse lexema aparece inevitavelmente nos dois termos alemães - «Gift» e «Natterngift» - o que os aproxima mais do que os termos correspondentes em português. O termo «Natterngift», por outro lado, fortalece um veio semântico ligando a mulher, Ana no caso, com a sexualidade e a sedução, aludindo a mitologias arcaicas: a dança serpenteante, a serpente, Eva, o pecado original, a expulsão do paraíso. De modo que com «Natterngift», se por um lado se perde algo, também se ganha algo, um reforço de qualidades intrínsecas do texto.

A mencionada tensão entre identidade e variabilidade na ocorrência de certos vocábulos também se encontra nos caracteres, que são altamente contraditórios, variáveis e versáteis, quase sem evoluir, no entanto. Uma exceção é Ana, pois ela realmente se desenvolve e se liberta, até certo ponto, virando quase uma bacante, ousadia fatal dentro do rígido esquema patriarcal que não permite mudanças substanciais. Os próprios termos «versátil» e «versatilidade» aparecem numerosas vezes, sendo eles mesmos versáteis, pois usados em sentido variável, passando por constantes metamorfoses, difíceis de serem fixados e definidos. Há uma homologia entre a indefinição dos caracteres e a indefinição das palavras, indefinição que é volubilidade e flexibilidade, mas também é estagnação e imobilidade, pois o que falta, é desenvolvimento e aprendizagem e formação, pelo menos no protagonista, o que pode surpreender num romance de adolescência. Os personagens, as coisas, as palavras, na seqüência da trama, executam um movimento cíclico ou em espiral. Depois de todos os deslocamentos e metamorfoses, o protagonista retorna ao mesmo lugar, permanecendo, basicamente, a mesma pessoa. Ele mesmo elogia o não-desenvolvimento, o não-amadurecimento: «A larva só me parece sábia enquanto se guarda no seu núcleo, e não descubro de onde tira a sua força quando rompe a resistência do casulo» (cap. 25).

Pela idade do herói, por seus conflitos com o pai, pelas obras da literatura universal com que o livro entra em diálogo - Heinrich von Ofterdingen, de Novalis, Der Zauberberg (A Montanha Mágica), de Thomas Mann, Le Retour de l'Enfant Prodigue, de André Gide - Lavoura arcaica se aproxima do romance de formação. Por outro lado, acaba ficando distante desse gênero literário, prosseguindo e intensificando a crítica dos românticos, especialmente de Friedrich Schlegel e de Novalis, ao Wilhelm Meister, de Goethe, o modelo do gênero, onde o herói acaba se enquadrando na sociedade com suas regras e normas. [12] Ora, André não evolui, não se desenvolve, não amadurece, não passa por nenhuma formação, oscilando sempre entre fantasias do regressus ad uterum, da destruição do mundo e da identificação com o patriarca admirado e odiado, uma atitude típica da puberdade. Se ele amadurece, é como contador da sua própria história, como formador de palavras, como cronista poético do destino. A este ninguém escapa, todos os acontecimentos e todos os personagens estão, em última análise, submetidos ao tempo, à fatalidade, ao eterno retorno. O que, por outro lado, não livra os homens de sua responsabilidade, um dilema trágico. Encontrar termos correspondentes em outra língua, para reproduzir ou melhor: refazer, reconfigurar e recriar essa dialética entre variabilidade e mesmice ao nível lexical é a tarefa do tradutor. Por outro lado, a variabilidade e versatilidade dos significados pode ser considerada como um retorno à concepção da ironia dos primeiros românticos alemães: «A velha definição da ironia - dizer uma coisa e dar a entender o contrário - é substituída; a ironia é dizer alguma coisa de uma forma que ative não uma, mas uma série infindável de interpretações subversivas». [13]

Quanto às palavras-chave, o tradutor se esforçou, na medida do possível, por mantê-las idênticas nas diversas ocorrências, em que desdobram seus significados cambiantes, mas algumas vezes teve que ceder às «lacunas» ou «insuficiências» do alemão. Qualquer língua tem, do ponto de vista de outras línguas, «lacunas», de modo que todas as línguas reunidas teriam uma visão mais rica e mais apropriada do homem e do mundo, uma idéia talvez implícita à idéia benjaminiana e quase messiânica de «língua pura». [14] A polissemia, a ambigüidade por exemplo de «união» pode ser uma riqueza em termos de sugestividade, podendo também ser vista, em termos lógicos, como falta de exatidão e nitidez, pois significa «reunião», «ligação», «laço», «unidade», mas também «casamento» ou «coito». A língua alemã não oferece nenhuma palavra correspondente, que seja tão «rica» ou tão «inexata», conforme o ponto de vista, cobrindo todo o leque desses significados bastante variados. Quando o pai apregoa e enaltece a «união» da família e na família, defende, no subtexto, também o seu próprio poder patriarcal; mas André, o filho rebelde e «tresmalhado», entende essa palavra subversivamente, sobretudo em sua conotação sensual e sexual, justificando o seu desejo incestuoso. Ou seja, o filho assume, inverte e perverte o discurso do pai para justamente contrariar os seus preceitos e intenções.

Muitos são os termos e frases que têm uma conotação sexual; aliás de um modo geral a linguagem do livro é sexualizada, mesmo expressões inocentes podendo ter um tal colorido o que põe o tradutor por vezes diante de uma tarefa insolúvel. Como verter a frase incisiva com que André agride o pai, que parece unívoca e tautológica à primeira vista, mas que pode ser entendida como equívoca e obscena, um caso extremo de paronomásia, inimitável até em línguas tão próximas do português como em espanhol ou em francês: «falo como falo» (cap. 25). Antes da reforma ortográfica nos anos quarenta do século XX, era possível diferenciar, pelo menos na escrita, «falo» e «phallo», ao passo que hoje parece uma palavra só, prato cheio para um autor tão rico em alusões e ambivalências quanto Raduan Nassar.

Impossível também resgatar a identidade lexical de «corrente» (cap. 25), que pode significar mil coisas, por exemplo «correnteza», «curso», mas também «série de elos de metal», «cadeia» o que fica próximo de «ferros», outra palavra que aparece diversas vezes. Esses duplos e triplos sentidos, essas qualidades múltiplas e semi-escondidas de palavras e frases ficam mais claras em um texto quando se tenta traduzi-lo. Assim, a análise de texto voltada para a tradução pode ser útil para qualquer outro trabalho interpretativo.

Um grande problema na tradução do romance para o alemão é a preferência do autor, principalmente na fala de André, por formas verbais indefinidas, isto é, gerúndio, infinitivo, particípio, este último muito usado como aposto, de modo que o leitor, freqüentemente, à primeira vista não sabe exatamente quem age quando e de que maneira, além de verbos intransitivos serem usados como se fossem transitivos e vice-versa. Estas modalidades verbais que evitam a clareza lógica e gramatical, com suas concordâncias vagas e uma certa autonomia de cada sentença e palavra, conferem ao seu estilo algo indefinido, leve, suspenso, flutuante, contribuindo para a sua sugestividade e riqueza alusiva. A língua alemã, que não conhece o gerúndio e que restringe bastante o uso do infinitivo, empurra o tradutor a substituir essas orações indefinidas por orações subordinadas adverbiais, definindo o tempo, a pessoa, o modo, a articulação gramatical e lógica entre sentenças vizinhas, o que resulta em construções mais definidas, claras e nítidas que infelizmente podem soar pesadas, formais, racionais, exageradamente pormenorizadas. Ou seja, a parataxe nassariana tende a transformar-se em hipotaxe, no processo da transgermanização. Assim, as relações implícitas entre os elementos da frase - causalidade, simultaneidade, concessividade, finalidade, etc. - tornam-se explícitas, produzindo uma certa desambigüização. O desafio está em não ceder demais a essa tendência da sintaxe alemã.

Um dos desafios mais delicados do tradutor, em geral discutido e decidido junto com o editor, é escolher o título de um livro. Traduzir «lavoura arcaica» literalmente para o alemão não daria resultado satisfatório, tanto ao nível da sonoridade como da semântica. Não existe em alemão palavra tão polissêmica quanto «lavoura» que pode significar tanto a preparação do solo para a sementeira, como o cultivo da terra, a aradura, e também, por metonímia, o terreno lavrado, a roça, ou determinada cultura, de milho por exemplo, como também, embora raramente, qualquer outro trabalho ou profissão. é claro que também se trata de um símbolo da condição humana, da domação e exploração da natureza, do trabalho humano de um modo geral, associado a fadiga, produção e, eventualmente, satisfação e prazer. Claro também que tem, no contexto do romance e na fantasia do protagonista, uma conotação sexual. Uma lavoura arcaica também é a própria escrita, o estilo e o ato de escrever o livro. Pois «arcaico» aqui não significa apenas primordial e antiquado, mas também aquilo que é comum a todos os tempos, o antigo que existe até os nossos dias e que existirá no futuro.

O capítulo 28 deu ao tradutor importante sugestão para o título da edição alemã, pois destaca o objeto-símbolo em que se encarna e se condensa o livro todo: «A terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra); existe neste ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo.» No metabolismo entre a terra e o homem, que é a essência da lavoura, ou seja, no intercâmbio cíclico entre a natureza e a sociedade, aquilo que ocupa o lugar do meio, o lugar central, é o pão. O pão não só como vocábulo-chave ao longo do livro, acompanhado de outros vocábulos do mesmo campo semântico, como o freqüente verbo «amassar», mas também como alimento, como sustento, como meio de vida da família nos planos físico, econômico, social, espiritual. O pão, como objeto concreto, assado, cheiroso, saboroso, e também como metonímia de qualquer alimento produzido a partir de matérias-primas naturais, é a argamassa da família, do patriarcado, de qualquer sociedade, e do seu vínculo com a divindade, pois, o pão também pode ser o corpo de Cristo; comê-lo pode ser um sacramento. A família se reúne três vezes por dia na copa, em torno da mesa, para receber o pão e o vinho das mãos do patriarca, em refeições que lembram a eucaristia.

Assim, depois de algum tempo de reflexões, ficou claro que a versão alemã só podia ter este título: Das Brot des Patriarchen, ou seja «O Pão do patriarca», seqüência que também oferece a vantagem de ter ritmo e sonoridade agradáveis e imponentes. A hipótese «Archaisches Brot» («Pão arcaico») nunca foi cogitada seriamente, pois teria um ritmo deselegante e seria de pouca sugestividade. Como o dono do pão, a figura dominante do microcosmos evocado no romance é mesmo o patriarca, palavra usada no próprio texto, esta se ofereceu para constar no título. Além disso, a última sílaba de «Patriarch», no nominativo do singular, tem a mesma etimologia de «arcaico», significando em grego «primeiro», «primordial», «superior», «proeminente», «dirigente», de modo que o arcaico, como étimo e como idéia, está de certa forma preservado no título alemão. A única objeção, a semelhança com O Outono do patriarca, romance de Gabriel García Márquez sobre um ditador grotescamente cruel, não foi considerada proibitiva. Nem todo mundo, hoje em dia, conhece esse romance, e quem o conhece, não estaria totalmente equivocado em relacionar os dois textos, ambos da mesma época, ambas obras da literatura latino-americana, ambas configurando, embora de modo bem diverso, as potencialidades do patriarcado levadas ao paroxismo. Por outro lado, são dois livros autônomos, tematicamente distantes, sem influência mútua, assim como vários outros da literatura universal, em cujos títulos aparece «patriarca», ou palavras da mesma raiz. Assim, o título da versão alemã, correspondendo às intenções profundas do livro, facilita e também prefigura, até certo ponto, a sua recepção.

Há outros exemplos mostrando também que traduzir é uma operação não só com perdas, mas também com ganhos. Volta e meia, a língua-alvo oferece a possibilidade de intensificar a intenção do texto, no caso do alemão, por exemplo, através da plasticidade de muitas palavras compostas que, além disso, evocam toda uma família lexical, o que instiga a imaginação associativa do leitor. Essa facilidade de compor palavras também gerou traduções intralingüísticas de termos técnicos de origem latina ou grega, de modo que se pode escolher, em muitos casos, entre dois sinônimos, um mais bem científico, de origem estrangeira, outro mais bem popular, formado a partir de lexemas germânicos. Um exemplo é «epilético» (cap. 7, 19), que pode ser traduzido por «epileptisch», ou então por «fallsüchtig». Decidi-me por esta última opção, apesar de ser ligeiramente antiquada, por sua enorme sugestividade, pois não só alude à Bíblia de Lutero, mas contém os étimos de «fallen» («cair») e «süchtig» («doentiamente dependente», «viciado»), ou seja, que reúne dois campos semânticos centrais no romance, o da queda e o da doença, significando literalmente 'viciado em cair', ou ‘doente em cair’. «Obsceno» (cap. 11, 16, 18, 18) foi traduzido algumas vezes por «lüstern» (cap. 16; cap. 18, fim), o que tem a ver com «Lust», ou seja, «prazer», «vontade» e sobretudo «volúpia»; outras vezes por «unzüchtig» (cap. 18, início; cap. 11), derivado de «Unzucht» (impudícia, luxúria, fornicação), vocábulos bem fortes e expressivos, deixando transparecer o seu parentesco com outras palavras fortes. «Unzucht» tem a ver com «Zucht» («disciplina»), significando o prefixo «un-» algo ruim, ou a falta ou o contrário de algo, o que combina com uma vertente do caráter do protagonista. «Decadência» (cap. 29) foi traduzido por «Verluderung», palavra altamente polissêmica e expressiva, significando a transformação ou degradação de alguém ou de algo para «Luder» («bicho morto usado como engodo na caça de animais de rapina», «cafajeste», «estroina», «mulher dissoluta», «ladrão» ou «ladroa», «pessoa coitada, deplorável»), o que combina bem com o preconceito sobre a irmã sedutora que aparentemente passou de santa a prostituta. «Wolkenbruch» (literalmente: «a quebra ou racha das nuvens») soa mais elementar, mais impetuoso e violento do que «aguaceiro» (cap. 1).

«Saftfleischigkeit» por «suculência» (cap. 20) alude, pelo étimo «Fleisch» que pode significar «carne» ou «polpa», aos vínculos entre as esferas vegetal, animal e humana, fio condutor do livro, além de realçar pelo étimo «Saft» («seiva», «suco», «sumo», «humor») os líquidos vegetais e corporais, de grande importância no romance. Até uma «lacuna» do alemão, ou seja, a falta de um correspondente direto de «polpa» (cap. 17, 18, 20), pode resultar em vantagem, pois a palavra «Fruchtfleisch» («carne da fruta») se enquadra perfeitamente nesse circuito de metamorfoses e transições dionisíacas entre os planos vegetal, animal, humano e divino. Pelo mesmo motivo parece particularmente feliz o termo alemão «Fruchtfliege» (literalmente «mosca fruteira») por «drosófila», sendo bem mais sugestivo, alusivo e ao mesmo tempo concreto do que o termo científico que também existe em alemão: «Drosophila». Outra 'lacuna' do alemão que resulta em riqueza é a falta de uma palavra não-composta equivalente a «pesadelo». Assim, a versão alemã da oração «[...] e nem é por escolha que me escondo, ou que vivo sonhando pesadelos [...]» (cap. 20), impõe uma figura etimológica, uma reduplicação de lexemas que intensifica o traço mágico da sonoridade nassariana, produzida por um sofisticado jogo de repetições de palavras, sílabas e sons: «[...] und nicht aus freien Stücken verstecke ich mich und träume fortwährend Alpträume [...]». Outra figura etimológica se encontra na tradução da oração seguinte: «e as pombas do meu quintal eram livres de voar, partiam para longos passeios mas voltavam sempre» (cap. 17), aproveitando uma tendência da língua alemã de indicar nos deslocamentos o modo do movimento: caminhar, voar, rodar e assim por diante, ao passo que o português muitas vezes prefere expressões abstratas, como «ir», «passear» ou «passeio»: «[...] und die Tauben meines Gartens waren frei zu fliegen, sie hoben zu langen Ausflügen ab, kehrten aber stets zurück [...]», oferecendo o alemão aqui, além do duplo sentido de «Ausflüge» - «vôo» e «excursão» - uma tripla aliteração. Sirva isto como amostra de que o ato de traduzir pode realizar, no caso de certas palavras e passagens, as intenções do original tão bem ou até melhor do que o próprio original, compensando até certo ponto as inevitáveis imperfeições semânticas, imagéticas e sonoras impostas pela diferença dos meios expressivos entre as línguas.

A repercussão na Alemanha

Publicar um livro tão fora das modas e convenções, um romance não «tipicamente brasileiro», sempre é um certo risco. Era difícil prever a receptividade do público, já que o grande boom da literatura latino-americana, vinculado principalmente por autores hispano-americanos como Octávio Paz, Carlos Fuentes, Alejo Carpentier, Julio Cortázar, Cabrera Infante, García Márquez, Vargas Llosa, mas também com Guimarães Rosa e Clarice Lispector, ou Loyola Brandão e Ubaldo Ribeiro, tinha acabado fazia tempo. Um certo decréscimo do interesse europeu pela América Latina já começou nos anos 80, mas foi se acelerando a partir da queda do Muro de Berlim, com o colapso do socialismo, o surgimento de novos Estados na Europa Oriental e na ásia Central, e com a ascensão de potências emergentes como a China e a índia, que atraíram grande atenção junto à opinião pública européia, não só no plano econômico e político, mas também cultural.

Havia, porém, uma certa expectativa em torno da edição alemã de Lavoura arcaica, pois tanto entre os amigos das culturas ibero-americanas, especialmente brasileiros e brasilianistas, como também entre alguns outros leitores e críticos, simplesmente curiosos por ler boa literatura, o nome de Raduan Nassar não era desconhecido, inclusive graças à tradução alemã de Um copo de cólera, de 1991, que foi um sucesso de crítica. [15] Assim, mesmo antes de Das Brot des Patriarchen ter sido publicado, o tradutor foi convidado para falar sobre o livro e recitar trechos da tradução inacabada ainda, em diversas universidades, em 2003, onde o autor foi tema de cursos e colóquios, inclusive num seminário do tradutor na Universidade Livre de Berlim. O interesse foi sempre grande, e calorosa a acolhida entre estudantes e outros ouvintes. As leituras e os debates em público ou na roda de amigos foram um importante teste para se perceber como esse livro singular, com suas frases infindáveis e imagens ousadas e aparentemente incongruentes, seria recebido pelo público alemão. De um modo geral, a repercussão foi muito boa, mas certos trechos ou palavras precisaram ser reformulados permitindo uma compreensão mais imediata e tornando o texto um pouco mais acessível. Como o livro já apresenta muitos aspectos novos e estranhos para o leitor ou o ouvinte, este ficaria desconcertado excessivamente, se fosse confrontado com tantos vocábulos desconhecidos e enigmas sintáticos quanto o leitor do original. As dificuldades de compreensão seriam atribuídas não ao escritor, mas ao tradutor.

Alguns alemães podem procurar em um livro de autor brasileiro algo como cor local e informações sobre a cultura e civilização do país, um olhar sobre a sua geografia, história, cultura popular e assim por diante. Tal expectativa seria desiludida no caso de Nassar, como também no caso de outros autores «intimistas», que mergulham profundamente na psique humana e nas relações afetivas, como Jorge de Lima, Clarice Lispector ou Autran Dourado. Antigamente, era um privilégio de autores europeus não se limitarem aos espaços de seus países, à sua história e às suas temáticas, tendo como palco da sua imaginação o mundo inteiro. No mundo globalizado, qualquer autor de qualquer cultura está «autorizado» a escrever sobre qualquer tema de uma outra cultura de qualquer canto do mundo, de modo que um autor brasileiro já não tem a «obrigação» de escrever sobre o Brasil, como no tempo de José de Alencar. [16] Esta ampliação dos espaços ficcionais naturalmente não garante nenhuma qualidade estética, como fica evidente no caso de Paulo Coelho, mas ela é sinal de maioridade cultural. Se, no caso de Raduan Nassar, é impossível localizar precisamente o seu mundo ficcional num lugar e numa época, se a trama do seu romance, com sua atenção concentrada na realidade psico-social, poderia passar-se, no essencial, também em outra região do mundo e em outra época, por exemplo em algum país mediterrânico, no Levante, no Oriente Próximo, isto não traduz nenhuma falta de brasilidade, antes é sinal de maturidade do autor e da literatura brasileira. O «instinto de nacionalidade», no sentido machadiano, de obras brasileiras é perfeitamente compatível com seu caráter transcultural e transnacional, condição de sua traduzibilidade.

A repercussão que a tradução alemã, publicada em 2004, teve junto à crítica, confirmou as mais otimistas previsões. [17] Die Zeit, de Hamburgo, o mais importante semanário em língua alemã, liberal, formador de opinião, publicou um longo artigo de Hans Christoph Buch, crítico literário, ensaísta, escritor, conhecedor da América Latina, do Caribe e da áfrica, com o seguinte título: «A terra, o trigo, o pão, a mesa: uma obra-prima: o escritor brasileiro Raduan Nassar narra novamente a volta do Filho Pródigo em seu romance 'O Pão do Patriarca'». O tom do artigo é quase ditirâmbico, embora o seu autor seja conhecido como intelectual objetivo e sóbrio:

Raramente a leitura de um livro me fascinou e me intrigou tanto quanto este breve romance, que é uma disfarçada novela, em português intitulada Lavoura arcaica («Trabalho arcaico na roça»): um título que alude às obras e tempos de Hesíodo e que reconduz o leitor ao fundo primordial da literatura, onde o sagrado e o profano, a poesia e a prosa ainda estão indivisas [...]. Já com a primeira frase, esta prosa, eroticamente carregada, vai cativando o crítico, sem que ele entenda de que se fala no texto que cintila lasciva e maldosamente, não fazendo nenhuma concessão à lógica e à legibilidade, e que, embora não se encaixe em nenhuma das tradicionais categorias, não é de difícil compreensão. [...] Trata da família como célula primordial da civilização, oriunda, como se sabe, da lavoura. [...] Diferentemente dos romances de adolescência de Mark Twain e de Hermann Hesse, o autor, apesar de claras simpatias por seu protagonista, não toma partido: ele mostra a ambivalência da revolta contra a autoridade paterna que contém o germe de uma nova tirania. André pretende falar em nome dos oprimidos, mas em última análise o que lhe importa é viver as suas fantasias polimorfo-perversas. Os paralelos com a revolta estudantil de 1968 são evidentes; e o que torna esse romance tão atraente é sua ambigüidade flutuante, animada por uma linguagem poeticamente incandescida que recorda o Cântico dos Cânticos de Salomão, mas também Rilke e Trakl. O livro de Raduan Nassar é uma obra-prima, uma rara exceção na indústria literária que nivela tudo. [18]

A Frankfurter Allgemeine Zeitung, de Frankfurt am Main, comparável ao Estado de S. Pau/o, conservador nas áreas política e econômica, liberal no seu suplemento cultural que é o melhor de todos os diários alemães, também publicou uma longa resenha, da autoria de Hans-Martin Gauger, professor emérito de lingüística românica da Universidade de Freiburg e conhecido ensaísta, com o título: «Festa do retorno: Raduan Nassar narra um arcaico mundo brasileiro». Mostra-se impressionado com o elevado registro lírico do romance-novela, que

[...] não é 'costumbrista', tendo, no seu arcaísmo pré-moderno algo universal [...]. é um livro aberto, complexo, também púbere, excitante de modo não voluptuoso, estranho, porém fascinante - de uma força intensamente sorvedora - que Nassar escreveu há trinta anos. Extremamente rico em recursos lexicais e sintáticos, o livro também é circular, volta e meia dizendo a mesma coisa de modo diferente, nesse sentido também uma escrita retórica. Mais ainda, aí está o ímpeto premente, [...] as metáforas verdadeiramente audazes evocando os significados indiretamente. Nunca, provavelmente, uma masturbação, como aqui logo no início, 'se materializou' de modo tão desavergonhado e ao mesmo tempo tão discreto. E sobre esse autor, evidentemente erudito, não pesa o seu saber teológico, comprovado por numerosas alusões à Bíblia, à mitologia grega, ao islamismo, ao mediterrâneo oriental. [19]

Finalizando, o crítico deseja ao livro «muitos leitores atentos». [20]

A Neue Zürcher Zeitung, o mais importante diário suíço de língua alemã, de Zurique, publicou uma longa resenha da autoria de Thomas Sträter, professor de literaturas ibéricas na universidade de Heidelberg, também crítico literário. Reza o título do seu artigo «Oriente brasileiro: a narrativa de Raduan Nassar sobre o Filho Pródigo». Considera o livro, trinta anos depois da sua estréia,

[...] uma das obras-chave do começo da liberalização sob o regime militar daquela época [...] e uma alegoria não datada de uma ditadura e, contudo, da condição humana independentemente da política, [...] um desafio descomunal para o leitor. Exige paciência e a disposição de abrir-se para essa prosa lírica, de envergadura elevada e tensa, expressiva com seus saltos, rupturas e refrações. A força da sua linguagem se torna cada vez mais absorvente e irresistível, e a gente segue a sonoridade e a melodia das cascatas oníricas de sentenças e palavras, sem se dar conta em todo momento da conexão entre as imagens. [21]

Outros numerosos resenhistas e entrevistadores também se mostram impressionados com a beleza e força poética da linguagem, com a fusão original de mitos ocidentais e orientais e com a riqueza e profundidade dos insights antropológicos do livro. Qantara, uma revista eletrônica alemã dedicada ao diálogo com o mundo árabe, reza:

Pela primeira vez foi publicado o romance rico em metáforas: O Pão do patriarca, de Raduan Nassar, em alemão. Um livro que rompe com tabus patriarcais e traz alusões e elementos das culturas cristã e islâmica, [...] um texto grandioso. No entanto também um que deve estranhar o leitor contemporâneo europeu, já pelo estilo difícil, insólito no melhor sentido da palavra, devido à sua sintaxe e à sua plasticidade. [22]

A acolhida, de um modo geral, foi calorosa e até em alguns casos entusiástica, inclusive nas leituras públicas e palestras em universidades e casas de cultura onde sempre se deram debates animados com e entre o público. Uns se inclinam mais para o lado de André, outros para o lado do pai, todos ou quase todos adoram Ana, ou as mesmas pessoas vacilam em suas avaliações, ninguém fica indiferente, o que é sinal de vitalidade do livro. Muitos leitores o interpretam com categorias de Freud, ou o comparam com o expressionismo alemão ou o surrealismo francês, ou com o autor austríaco Josef Winkler.

Há, entre intelectuais alemães, desde a Segunda Guerra Mundial, uma certa desconfiança em relação a registros patéticos, sublimes, solenes, ou intensamente líricos, denunciados muitas vezes como grandiloqüentes, populistas, sentimentais ou cafonas, em nome da objetividade, da sobriedade, do equilíbrio. Grandes, profundas e, sobretudo, violentas emoções despertam desconfiança, o que se explica pelo abuso desse tipo de retórica em duas guerras mundiais e na propaganda nazista. Por outro lado, há um certo desejo, uma certa saudade por alguma intensidade emocional e por sua expressão lingüística, o que em parte explicaria o sucesso, entre os alemães, de estórias apaixonadas e apaixonantes, escritas em linguagens arrebatadoras, entusiásticas, ou perturbadoras, provenientes da América Latina e outras regiões do mundo. Fortes emoções, expressões patéticas ou intensamente líricas, «proibidas» aos autores alemães, são apreciadas nos seus colegas estrangeiros.

Um livro apolítico e a-histórico?

A tarefa do tradutor só é possível e necessária graças às dimensões trans-culturais, trans-históricas e trans-lingüísticas das obras literárias. Estas estão repletas de vivências e experiências, belezas e ensinamentos que transcendem a comunidade lingüística para que foram escritas, ou, eventualmente recitadas. E faz parte da tarefa do tradutor procurar as características estéticas e temáticas através das quais os textos transcendem os limites de sua língua e cultura, entrando em diálogo com textos, mentalidades, espíritos da época de outras paragens do mundo. Línguas e culturas felizmente, apesar do desastre de Babel, não são entidades isoladas e estanques, mas capazes e necessitadas de osmose, de intercâmbio e diálogo.

Lavoura arcaica, como já foi notado por leitores e críticos, partilha e apresenta elementos de diversas culturas: árabe, levantina, bíblica, católica, islâmica, grega, romana, européia, regional, paulista, rural, brasileira, tendo, portanto, um tronco comum, inclusive através das línguas românicas, com as culturas do Ocidente e do Oriente Próximo. E na medida em que configura constelações básicas da condição humana, dialoga com todas as culturas do mundo, independentemente de um eventual parentesco. Todos esses aspectos transculturais ajudam a tarefa do tradutor, pois representam uma base mental, emocional, religiosa, comum ao mundo do leitor de outras línguas, inclusive do alemão. Não que as culturas e experiências coletivas sejam iguais, felizmente não, mas são comunicáveis, porque têm elementos parecidos. E principalmente porque, nas estruturas profundas, os seres humanos, as emoções e as línguas são parecidos; não fosse assim e não haveria tradução. Por outro lado, uma das condições da traduzibilidade também é a diferença, pois sem ela, também não valeria a pena lermos livros de outras culturas, pois apresentariam pouca novidade. O que torna esse texto interessante para os/ leitores estrangeiros é justamente a sua profunda brasilidade ligada à sua profunda transnacionalidade.

As camadas de significados políticos, sociais, psicológicos, históricos são em grande parte inteligíveis, importantes e tocantes para um leitor europeu. Uma delas é, apesar das profundas diferenças entre América Latina e Europa, a atmosfera de protesto dos anos sessenta e setenta do século XX, contra o autoritarismo e o patriarcalismo. Outras dimensões, conhecimentos, mitologias, crenças, imagens, metáforas comuns, pertencem às origens cristãs e greco-pagãs das nossas civilizações que nos ajudam a entender melhor o homem e a sociedade moderna. O arcaico também é o profundamente arraigado, é aquilo que liga as épocas, o passado com o hodierno e o futuro. Assim, o romance, como qualquer livro esteticamente bem-sucedido e antropologicamente rico, tanto é histórico como trans-histórico, tanto é nacional como transnacional, tanto é regional, como universal.

É instigante comparar o livro de Nassar, por exemplo, com a letra de uma música famosa da mesma época, traduzindo o mesmo espírito de protesto e rebeldia no Brasil e no mundo:

Cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue [refrão]
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra [puta]
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Corno é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
DTalvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça.
(Chico Buarque de Holanda | Gilberto Gil). [23]

A comparação de Lavoura arcaica com essa canção, escrita em 1973, no auge da ditadura, revela uma grande afinidade entre os dois textos e evidencia a possibilidade de ver no romance - entre outras camadas de significação - uma alegoria da sociedade brasileira daquela época. Cálice evoca a atmosfera de chumbo daquele período, caracterizado por uma modernização autoritariamente imposta, supressão da sede de liberdade e vida melhor do operariado, da juventude, dos artistas e intelectuais. é, aludindo ao clamor de Cristo depois da Ceia e antes do Calvário, o grito de sofrimento e de protesto que um jovem desesperado lança contra uma autoridade paterna, divina ou profana. O próprio título, homônimo de «cale-se», podia ser e realmente foi entendido como contestação da censura e repressão.

Encontramos nesta letra o conflito geracional e a revolta contra autoridades opressivas, típicos da cultura de protesto dos anos sessenta e setenta, não só no Brasil. Com sua mistura de cólera, indignação, melancolia, desejo de emancipação e desespero, esta canção reflete bem o Zeitgeist, o espírito da época, ou pelo menos o espírito de grande parte da população, principalmente jovem, inconformada com o regime militar, o regime dos velhos, o regime dos costumes coercitivos. é um espírito, uma mentalidade, um modo de sentir e de pensar muito afim com o do herói e anti-herói de Lavoura arcaica. Em ambos os textos, um eu masculino martirizado, solitário, carente e ao mesmo tempo devasso, desmesurado, violento, juntando traços de Cristo e de Lúcifer, se rebela contra figuras patriarcais, misturando as esferas sexual e religiosa, coloquialidade e solenidade, o vulgar e o sublime. Nos dois textos, a eucaristia, a transsubstanciação do vinho e do sangue têm papel importante. Os dois jovens lamentam o silêncio entre as pessoas, o desentendimento, o desencontro, a desconversa, o diálogo que não se realizou, a vida que não se viveu. A insubordinação contra o sufoco, contra a violência, contra a mentira em casa os leva ao grito, à fuga, à vagabundagem na rua, à resistência, mas também à agressão, à destruição e à auto-destruição, já que em sua consciência infeliz não enxergam saída nenhuma. Os dois jovens encenam uma revolta que termina abortada, identificando-se parcialmente com o opressor. A racionalidade, a sensatez, a maturidade pregada pelos adultos e poderosos são rejeitadas em nome da não-maturação, da embriaguez, do pecado, do arrependimento e do orgulho pelo vício, da vida intensiva e excessiva.

Ambos os narradores da primeira pessoa são heróis problemáticos, até fracassados, compartilhando a mesma atitude ambígua para com a mãe, vista como santa e como opressora, despertando saudade da prostituta. Ambos protestam contra o patriarcado de modo incoerente, atolando-se e paralisando-se entre rebelião e acomodação, entre pathos e sentimentalismo, entre a grande recusa que lembra o guru do movimento estudantil mundial, Herbert Marcuse, mas também um neo-autoritarismo machista. Ambos sofrem com a repressão sexual, exigindo liberdade e prazer para si mesmos, confirmando, porém, os papéis que o patriarcado atribui tradicionalmente às mulheres: mãe, santa, puta. Ambos os rebeldes ficam parados no meio do caminho da anelada emancipação. Recusam tornar-se adultos.

Apesar do seu caráter indireto e metafórico, essa crítica ao autoritarismo não ficou despercebida pela censura que manteve essa canção proibida durante vários anos, de modo que só a partir de 1976, com a chamada Distensão sob o regime de Geisel (1974-1979), ela pôde ser cantada publicamente. Se a letra dessa música e o romance de Nassar se relacionam, como vasos comunicantes, é porque este último é, apesar do aparente descompromisso com o Brasil concreto dos anos setenta, um livro profundamente político. Nos dois textos, os narradores da primeira pessoa demonstram uma resistência emocional que tem uma dimensão política, quando eles, por mais dúbios que sejam, desafiam, em nome da vida, da espontaneidade, da felicidade, toda forma de regime patriarcal, repressivo, anti-erótico, anti-jovem. Ao lema da ditadura: «Brasil - ame-o ou deixe-o», eles respondem com uma dupla recusa: não amam o Brasil autoritário, mas também não o deixam. Continua impressionante, até hoje em dia, essa desesperada paixão pela liberdade, pela sinceridade, pelo prazer que está por trás das duas atitudes de insubordinação e negação.

é bom lembrar-se como naquela época, em meados dos anos setenta, era a cena cultural e política. Desde 1964, o Brasil se encontrava sob uma ditadura militar, que - principalmente depois do AI 5, o Ato Institucional no 5, de dezembro de 1968 - revogava e negava os direitos humanos e civis. Uma censura draconiana reinava na mídia, e quem resistisse abertamente ao regime era demitido, caçado, torturado, assassinado, exilado. Ao mesmo tempo, melhorava-se o padrão de vida das classes médias e altas, graças à prosperidade econômica com suas elevadas taxas de crescimento, cujo custo teve que ser pago pelas classes subalternas na cidade e no campo, submetidas ao «arrocho salarial», sem voz e sem direitos. Era a época de uma modernização autoritária, do chamado «milagre brasileiro» e do «Brasil Grande», das obras «faraônicas» de infra-estrutura, mas também de estagnação e até retrocesso ao nível da autonomia e emancipação do cidadão e da sociedade civil.

Os grandes nomes da literatura eram ainda Guimarães Rosa, falecido em 1967, Clarice Lispector, falecida em 1977, e havia não poucos críticos que logo colocaram Nassar no pedestal ao lado desses nomes consagrados da recente literatura brasileira. O que marca a diferença do seu livro em relação à produção literária representativa daquela época é, além do estilo sumamente original, a aparente distância em relação à política. Não apenas jornalistas, sindicalistas, políticos e cientistas sociais, mas também numerosos escritores se viam diante da missão de denunciar as crescentes desigualdades sociais, as violações dos direitos humanos, o clima de sufoco, o subdesenvolvimento e a dependência, a poluição do meio-ambiente, incentivando a conscientização dos leitores. No foco das atenções encontravam-se autores mais bem comprometidos com temas urbanos, que aproveitavam algumas brechas da censura, menos rígida na indústria do livro do que na mídia, para fazer uma literatura de crítica social e política, parcialmente documental, de um «realismo feroz» [24] ou «estilo brutalista», [25] como em Loyola Brandão, João Antônio, Rubem Fonseca, José Louzeiro, Renato Pompeu, Ivan ângelo e outros, que tentaram, através de recursos estéticos em parte emprestados do jornalismo e do cinema, testemunhar a feroz e brutal situação social de grande parte da população e resistir, pelo menos indiretamente, à propaganda da ditadura. Devido à censura na mídia, temas e mensagens que normalmente teriam sido tratados em reportagens, entraram em contos e romances, de modo que a literatura assumia até certo ponto funções de uma opinião pública crítica. Era também a época de iniciativas e correntes de protesto internacionais, iniciadas pelos movimentos anti-coloniais e pelos movimentos estudantis de 1967/68, inclusive a época da Revolução dos Cravos em Portugal, de Abril 1974, acompanhada com simpatia por intelectuais brasileiros, de que são testemunhos Tanto mar ou Meu caro amigo, do já citado Chico Buarque. E nessa cena cultural, a prosa de Nassar aparentemente não se ajustava, parecendo oclusa, de difícil acesso, sem compromisso político, escapista, desligada de qualquer tempo e lugar concreto.

Desde o início, porém, houve interpretações que relacionavam a trama, a estrutura da família patriarcal, o clima de angústia do romance com o autoritarismo, a repressão, a injustiça da sociedade brasileira.

A estória de André é, ao mesmo tempo e necessariamente, a estória da família patriarcal [...] sendo que

[...] a família é a figuração da sociedade. O circuito fechado da família patriarcal prefigura o circuito fechado da sociedade. Nenhuma suporta a mudança, a modificação, a invenção, as palavras fora do lugar. O poder do pai é uma figuração da autoridade onisciente, onipresente e toda-poderosa que recobre a sociedade. As tensões da família e da sociedade engendram-se e atam-se umas às outras [...]. Por sob a aparência da harmonia, ordem, disciplina e trabalho, escondem-se atos contraditórios, gestos obscuros, antagonismos irreconciliáveis. [...] Seria ilusório não perceber que a ordem traz consigo a semente da desordem [...] que a convenção está construída Com a asfixia da invenção. [26]

De fato, pode-se considerar a fazenda do romance, autarca e isolada, como um gueto, espécie de encrave de um patriarcalismo puro, de caráter árabe-cristão-islâmico-fundamentalista, como virtual laboratório político-social, cujo chefe considera as influências do meio circundante como perniciosas. O corpo social que é uma família e ao mesmo tempo uma mini-empresa de subsistência, com ínfima participação no mercado, sem divisão dos poderes, onde o pai é diretor, legislador, sacerdote, educador e juiz, garantidor da intocabilidade e pureza dos valores da família, do trabalho, da religião, do destino. Isto permite ao autor e ao leitor estudar detalhadamente os mecanismos do poder, do parentesco, da proteção, do carinho, do sexo, da exploração, da submissão, da repressão, da jurisdição, da religiosidade, da «comunhão» nos múltiplos sentidos da palavra, as ambivalências entre responsabilidade e repressão, ternura e tutela, abnegação e fanatismo, o que seria difícil em organismos sociais de maior complexidade. Como se desenvolvem ambições, instintos, sentimentos, relações, conflitos, alianças em uma autoritária família camponesa extremamente tradicional, originária de uma região que foi o berço do cristianismo, islamismo e judaísmo, transplantada em ambiente católico ibérico, portanto afim, mas menos rígido, menos arcaico, o que pode gerar atritos inter-culturais e inter-geracionais? E tudo isto num isolamento quase completo, sem a intervenção de instâncias moderadoras ou conciliadoras, sem escola, sem padres, sem carteiros, sem administração pública, sem polícia e juizado, sem rádio e cinema, apenas com vizinhos e parentes aparecendo ocasionalmente aos domingos, fora do cotidiano, e com idas esporádicas à vila próxima, onde a família compra os poucos artigos não produzidos na fazenda quase auto-suficiente: querosene, sal, arame, óleo. Esse gueto familiar lembra prisões, quartéis, conventos ou manicômios - instituições totais na acepção de Erving Goffman. [27] Trabalho, moradia, lazer, religiosidade, afetividade, tudo se interpenetra, sem privacidade, tudo se desenrola no mesmo espaço e tudo está submetido ao controle ilimitado de um chefe autoritário, tradicional, não eleito.

Na medida em que até as sociedades modernas têm um ranço de patriarcalismo, sendo a maturação e a formação de qualquer indivíduo e grupo social impensáveis sem a dialética entre opressão e resistência, e na medida em que conflitos entre as gerações e os sexos são fenômenos não a-históricos, mas trans-históricos e trans-culturais, esse dispositivo experimental, esse laboratório virtual nos revela ou insinua verdades sobre nós mesmos e as estruturas sociais, organizadas pelo poder, a economia e os afetos, em que nos movemos. Se estruturas e formas tão rígidas, quase grotescas de patriarcalismo são raras hoje em dia, nos países ocidentais, persistem, porém, em alguns países orientais, e também nos guetos islâmicos das grandes cidades européias, inclusive na Alemanha. [28] De qualquer forma, os traços profundos e as potencialidades da pessoa e da condição humana se tornam mais evidentes em situações e estruturas radicais, levadas ao extremo, uma das condições da sua literariedade e também traduzibilidade.

A dimensão regional do romance, se não é central, também não é negligenciável. Quem o ler com atenção, vai notar ferramentas, plantas, técnicas de trabalho, ritos religiosos que ambientam a trama no interior de São Paulo, eventualmente do Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sul de Minas, aproximadamente nos anos trinta, quarenta ou cinqüenta do século XX, coincidindo, certamente não por acaso, com a infância ou adolescência do autor. Algumas palavras e objetos são inconfundíveis, como a gamela, a moringa, a cumbuca, o latão de leite, o bule de ágata, a lata de óleo transformada em balde de água, o torrador de café, o canecão no banheiro, o gomil, o monjolo, a peneira, a matraca. Mas é um Brasil interiorano e rural não definido essencialmente como brasileiro, de maneira que o regional se revela, parcialmente, como trans-regional e universal, remetendo a dimensão nacional para o segundo ou terceiro plano. Essa trans-nacionalidade do meio rural se deve, em grande parte, aos imigrantes, inclusive os escravos, desde os tempos de Cabral, que vieram sobretudo de Portugal e da áfrica, mais tarde também do Centro e do Sul da Europa, inclusive do Oriente Próximo. Deve-se também ao catolicismo, popular ou não, que transcende os limites do Brasil e de Portugal, e que em última análise também é originário do Levante.

Convém lembrar que a própria cultura luso-brasileira está cheia de elementos árabes, como mostrou Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, de 1933, aspecto aproveitado por Nassar ao usar palavras portuguesas de origem árabe, como «alfanje», espécie de foice ou gadanha com que o patriarca mata a filha no penúltimo capítulo, vocábulo, aliás, que pertence aos campos semânticos da lavoura e do pão, designando uma ferramenta que normalmente fornece os meios de vida, mas que aqui fornece a morte. Por que o autor não empregou outra palavra? Certamente para aludir à vertente ancestral, arcaica, e também árabe do mundo ficcional e do crime que nele ocorre. Outros elementos, atividades e objetos rurais, crenças, relações de família, as formas de tratamento assimétricas entre pais e filhos - os filhos tratando os pais de «o senhor» e «a senhora», sendo tratados por eles de «você» - são normais em muitas culturas camponesas e patriarcais, independentemente da imigração. Assim coexistem, neste livro, várias dimensões culturais: a dimensão brasileira, basicamente regional; a dimensão mediterrânico-levantina, a dimensão humano-universal, dentro das quais se podem diferenciar vertentes católica, islâmica, hebraica, greco-mitológica.

Seria, portanto, inexato pensar que só a cultura letrada e citadina assim como a civilização comercial e industrial sejam transnacionais e cosmopolitas; na verdade, também boa parte da cultura popular do fundão do Brasil não é privativa dessa nação, só que a sua transculturalidade precisa ser vista numa perspectiva histórica, uma vez que abrange estádios evolutivos parcialmente ultrapassados na Europa, porém presentes ainda em parte da ásia e da áfrica. O que parece diferença cultural ou nacional, muitas vezes é defasagem histórica, em outras palavras: é a simultaneidade do não simultâneo. Uma das mensagens que podemos colher do livro de Nassar é justamente esse caráter em grande parte transnacional da cultura popular do interior do Brasil, incluindo a religiosidade.

Isto não impede o surgimento de tensões inter-culturais que podem transformar-se em conflitos entre gerações e sexos dentro da família. Quanto mais ameaçadas parecem as tradições árabe-cristãs no contexto do país anfitrião, tanto mais acentuada é a teimosia do patriarca em defendê-las e exacerbá-las. Ele rejeita a cultura circundante porque lhe parece dissolver a união familiar, a fé, a moral, os costumes trazidos de fora, minando - este seria o subtexto - sobretudo o absolutismo patriarcal. A noção de honra familiar, a virgindade da moça solteira, a posição subalterna da mulher em geral, quase sem direitos, excluída da esfera pública, devido ao poder discricionário do pai e dos irmãos masculinos, a violência institucionalizada contra mulheres desobedientes - tudo isso não é estranho aos valores vigentes no interior do Brasil, nos meados do século XX. E até a rígida ética de trabalho do patriarca que lembra as observações de Max Weber sobre a importância da ascese protestante para a gênese do capitalismo, não é fenômeno tão raro, principalmente entre pequenos fazendeiros e pequenos comerciantes, obrigados a lutarem duramente pela sobrevivência num meio natural e social difícil, especialmente numa fase de fundação, povoamento, desbravamento. Foi, aliás, essa mentalidade consagradora do dever, do trabalho e da união familiar, que permitiu uma rápida ascensão social aos imigrantes árabes e seus filhos no Brasil, inclusive no caso da família Nassar.

O que é estranho, porém, no patriarca do romance, e o que destoa do contexto da sociedade rural no Brasil, é a radicalidade, a abnegação, a gravidade e seriedade, o quase fanatismo desse patriarcado de colorido árabe, pois, o tradicional patriarcalismo nativo é menos radical, menos rígido, é mais leve, mais hedônico, mais prazeroso pelo menos para os homens, com folguedos mais humorísticos e galhofeiros, dirigindo a repressão sexual apenas contra mulheres. Assim a cultura circundante é de fato uma tentação para os filhos masculinos dos imigrantes, nascidos no Brasil, no caso, para André e Lula, mais aculturados do que o resto da família. Ora Pedro, o irmão mais velho, já não é adolescente, considerando-se uma espécie de vice-patriarca. Esse apelo da cultura anfitriã mais livre, mais sensual, também é sentido pelas moças; porém, devido ao caráter mais caseiro e à maior repressão em seu modo de vida, elas têm uma margem de atuação bem restrita. A não ser que assumam o único papel de mulher sexualmente ativa autorizado pelo patriarcalismo: o de prostituta. Assim, não é de se surpreender que Ana, na dança bacântica da cena final, apareça com os presentes que André lhe trouxe do bordel: as insígnias de uma «cigana», «dançarina oriental», e meretriz, figuras arquetípicas de mulheres sensuais, confundidas pelas arcaicas fantasias machistas.

A origem da tragédia a partir do espírito da música

Quase todos os críticos, no Brasil como na Alemanha, concordam na tragicidade da estória contada por André. O filho, o rebelde ávido de amor e poder, libertário e tirânico, audaz e covarde, assim como o seu adversário, o tirano paternal, dedicado e auto-centrado, pregador e manipulador, responsável e cruel, garantidor e destruidor da família, são ao mesmo tempo culpados e vítimas, rumando cegamente para a catástrofe inevitável, prisioneiros de suas paixões e obsessões, crenças, virtudes e falsidades. Um é defensor absoluto da comunidade, da ordem e do destino e o outro do ego, da libido e da liberdade, pelo que provocam a nossa crítica e repulsa, mas também a nossa compreensão e compaixão. As principais vítimas, entretanto, são as mulheres, em primeiro lugar Ana, a filha e irmã, a única que transmuda, que progride, que se desenvolve, que resiste ao patriarcado, ainda que dentro dos seus limites, sendo ela corajosa, íntegra e sincera. Empurrada por seu caráter e sua fome de felicidade e liberdade, ela fica sem chance e sem futuro, pagando o seu afã emancipatório com a própria vida.

Conflitos de gerações e de sexos são algo que existe em todas as sociedades e que é tema em todas as literaturas. O que inquieta o leitor é que ele se sinta levado a oscilar constantemente entre sentimentos e avaliações opostas com respeito a atitudes, valores e personagens, identificando-se ora com um, ora com outro, para logo depois se distanciar dos dois, perplexo ou até horrorizado. Essa relativa legitimidade e dignidade dos campos opostos é um dos atributos do trágico. Sem autoridade e dominação e sujeição, sem normas e limites e castigos, não há individuação, nem organização social, nem ordem alguma e, portanto, não há vida humana; mas sem rebeldia, sem instintos, sem transgressão, sem paixão, sem amor e desatino não há viço nem vida e, portanto, também não há nem indivíduos, nem sociedade. Assim, de certa forma, todos os personagens, apesar do seu excesso, desmesura, desmedida, mas também por causa disso tudo, têm um pouco de razão, porque vivem, exploram, esgotam as potencialidades do ser humano, buscadores do absoluto, parentes dos personagens de Shakespeare, Kleist, Balzac, Nietzsche, Fassbinder e Nelson Rodrigues. Faltam-lhes a moderação, a justa medida, a mediação entre tendências extremadas, faltam-lhes conciliação, solidariedade, sustentabilidade, senso comum e humor. [29]

Trágica não é apenas a colisão entre dois valores ou caracteres opostos, ambos com certa legitimidade e dignidade. Trágica é a ambivalência interna de valores, caracteres e sentimentos. A bondade implica controle, a dedicação produz humilhação, o amor se manifesta como sedução e luxúria e opressão, numa luta pelo poder, um círculo vicioso, diabólico, principalmente do lado dos homens, não sendo as mulheres totalmente inocentes: a mãe de ternura duvidosa, Ana oscilando entre santa e puta, as outras filhas conformistas e obedientes demais. De tragicidade especial é a paixão entre irmão e irmã, pois, por um lado, nas circunstâncias existentes, no gueto familiar, ela é compreensível e plausível, um ato emancipatório, uma fonte de felicidade; por outro lado, essa paixão é tirânica, imoral, megalômana, imitação do privilégio de príncipes e deuses, sem saída e sem futuro na realidade. O amor de André está contaminado pelo patriarcado, incapaz de procurar ou aceitar a reciprocidade, o diálogo, o reconhecimento mútuo, a igualdade dos direitos. Problemática e contraditória também é a rebelião de André contra o poder patriarcal: um grito legítimo pela liberdade, e, por outro lado, dissimulação, imitação do opressor e até traição de si mesmo, porque o patriarcado está profundamente arraigado no próprio revoltado.

é próprio da tragédia o registro elevado, ora lírico ou solene, até sublime, ora, no discurso do pai, patético, por sua vez ironizado e ao mesmo tempo assumido pelo narrador. São altamente retóricas, imponentes, emocionantes as colisões violentas, existenciais, trágicas entre as gerações, entre os sexos, entre a disciplina e o prazer, entre dois conceitos antagônicos de felicidade, entre dois tipos de patriarcado, um mais autoritário, rígido e ascético, o outro mais brando, mais sensual, mas livre, um mais bem oriental, o outro mais bem brasileiro. Fazem parte dessa tragicidade uma certa cegueira, um certo absolutismo, uma certa incapacidade para o diálogo e a autocrítica, também uma certa inflexibilidade na percepção de uma nova realidade. O pai não se dá conta de que um filho freqüentador de prostíbulos não necessariamente destrói a família nem o patriarcado. Se o patriarca fosse um fazendeiro típico da sociedade circundante, não proibiria o sexo aos seus rapazes adolescentes, mas os convidaria para um rito de iniciação masculina: uma visita ao bordel. Isto diminuiria consideravelmente as tensões na família, e também a tragicidade da trama, permitindo um desenlace inofensivo ou até humorístico, mas por outro lado tampouco excluiria um fim fatal e trágico, já que viver a sensualidade, no Brasil da época em que presumivelmente se passa a ação, não seria permitido às mulheres. Apesar de elementos irônicos e paródicos na estratégia retórica de André na controvérsia com o pai, a ironia, a paródia, o espírito galhofeiro não têm chance neste romance, nem no enfoque narrativo, nem no caráter dos personagens; não seriam compatíveis com a gravidade e tragicidade do tom e da trama.

Neste mini-cosmos reina uma incondicionalidade, uma veemência, um absolutismo das emoções por um lado e por outro lado uma rigidez descarnada dos costumes e preceitos, um absolutismo do poder que lembram o mundo ficcional do espanhol García Lorca ou do grego Nikos Kazantzakis ou também os poetas da tragédia clássica grega. Trata-se de uma comunidade pré-moderna, arcaica, vital e passional, mas que suprime e renega essa vitalidade e passionalidade, uma família dilacerada, infeliz e cruel, à mercê de um destino cego, representado pelo tempo. O relógio de parede vigia, junto com uma reprodução da última Ceia de Leonardo da Vinci, todas as refeições e conversas da família. Ele lembra o avô falecido, presente como fantasma, um Chronos árabe, monossilábico, mas poderoso, mais do que Cristo. Há um traidor, um alcagüete, um Judas, que é Pedro, o irmão mais velho, não sem traços trágicos, pois se ele trai os irmãos, talvez o faça por responsabilidade; e há um covarde, correspondendo ao Pedro da Bíblia, que é André fazendo de conta de não ter nada a ver com Ana, na hora em que é assassinada, e há um assassino que é o Pai que se arroga o papel de sacerdote e de Cristo na Ceia, mas também de juiz, de algoz de direito divino, de Abraão sacrificando Isaac ou Agamêmnon sacrificando Ifigênia, ambos personagens trágicos. Nesse mundo às avessas, porém, não falta um Salvador, ou seja: uma Salvadora que se sacrifica, uma mártir do amor e da integridade: a própria filha do patriarca, a irmã amada e traída por André. Mas não há redenção nem ressurreição nesse dia da Páscoa que se assemelha mais a uma Sexta-feira da Paixão, em todos os sentidos.

Este penúltimo capítulo reveste também um caráter pagão, evocando o momento da Antigüidade grega em que nasceu a tragédia, ao passo que a mensagem do Evangelho se verifica inoperante, com traços trágicos. O penúltimo capítulo de Lavoura arcaica não só lembra, mas reconfigura, recria, atualiza o nascimento da tragédia a partir da dança e da música do Bacanal, a festa extasiada e dionisíaca, uma cena grandiosa que parece inspirada no famoso ensaio de Nietzsche: Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik (“O Nascimento da tragédia a partir do espírito da música”). [30] A família toda e os vizinhos comemoram o retorno do filho pródigo com um piquenique e uma dança de conotações árabes, espécie de ciranda, presumivelmente o dabke, [31] no bosque que pertence à fazenda, uma diversão a princípio tradicional e inofensiva, folclórica, uma reminiscência e afirmação da cultura libanesa na nova terra. Contudo, em breve essa festa, graças à dança serpenteante, sensual e sedutora de Ana, com as insígnias de bacante e de Salomé, é transfigurada num ritual extático, num bacanal instigado pelo vinho abundantemente vertido, pela música com seus cânticos, pratos e flauta. é um espetáculo tão encantador que atrai até os animais, as aves da vizinhança, esboçando um utópico consórcio da natureza com a cultura. A dança circular, com os coros cantando em árabe, vira cada vez mais desenfreada, cada vez mais dominada pelo frenesi visivelmente inspirado por Dioniso, o Deus da dança e da música, do vinho, do falo, do lado animal do ser humano.

Faz parte desse ritual na Grécia antiga o canto do bode - que é o significado de «tragédia» em grego - a dança de sátiros. Lembremo-nos de que André foi apresentado, no quarto capítulo, como amante de uma cabra, pelo que vira homem-bode, que mais adiante, diversas vezes, com suas «patas sagitárias», também é associado às figuras do centauro, do sátiro, e de Pã, especialmente quando tenta seduzir a irmã (cap. 20). é verdade que André não participa ativamente na festa, mas ele é co-responsável por sua transformação em bacanal, já que seduziu Ana, inclusive instigando-a a vestir-se como prostituta, visando contaminar toda a família e os convidados com sua lascívia e ebriedade. é justamente desse coro antigo de sátiros cantando os ditirambos nas festas em homenagem a Dioniso que se teria originado a tragédia, na Grécia antiga. Surgiram diante do coro, nos princípios da história da tragédia, um, mais tarde dois e depois três atores executando uma ação ficcional, dialogando com o coro que vinha passando aos poucos para o segundo plano, comentando, porém, as cenas representadas no palco. A animação extasiante, a embriaguez, o ambiente lúdico, a dança, a arte ligada ao solo e à natureza animalesca do homem, por um lado, e a tragédia, a seriedade, a fatalidade, o debate de altos assuntos éticos e políticos, por outro lado, encontravam-se desde o início, extremamente próximas, na cultura grega. é o que Nietzsche chama de consórcio do dionisíaco com o apolíneo. Parece que em tempos míticos até havia sacrifício de vidas humanas nessas festas dionisíacas, antes de serem domadas pelo elemento apolíneo.

Ora, no penúltimo capítulo de Lavoura arcaica, diante de um coro que Ana, como dançarina destacada, espécie de coriféia, está transformando em coro dionisíaco, e diante do qual ela ao mesmo tempo age como «atriz», dialogando com ele através do seu corpo, aparece de repente outro «ator», o seu pai. Os dois executam uma ação extremamente breve e violenta, realizando o nascimento de uma tragédia em tempo acelerado, ao que o coro responde com uma lamentação lancinante, antiga e mediterrânica. Só que essa cena não é ficcional, é teatral sim, mas não é teatro, sendo, ao contrário, cruelmente real. E há, entre os espectadores, um que não reage adequadamente, ficando sem compaixão, sem horror, sem comoção, sem catarse, permanecendo ao contrário impassível, incorrigível, imaturo: André, o narrador. Descrevendo-se a si mesmo como frio, ele de certa forma se critica ou até se condena: como é que ele não fica abalado com a morte física da irmã e com a morte moral do pai, com a destruição da família? De certa forma o pai executou as fantasias da vingança que o filho tinha anunciado à irmã quando esta quis se afastar do irmão-amante-tirano. André talvez se sinta mais livre agora, livre da tentação do incesto, e livre da opressão do patriarca. Além disso, a vaga aberta pelo sumiço do pai deve instigar a ambição do filho.

A dicotomia do dionisíaco e do apolíneo conforme a concepção de Nietzsche aqui é exacerbada, pois estas duas atitudes vitais não se complementam, como aconteceu, conforme a visão do filósofo, na origem da tragédia. Elas se chocam violentamente e se aniquilam inexoravelmente. O bacanal acaba com a tragédia-relâmpago e a família patriarcal acaba também. Por outro lado, os dois sobrevivem a nível simbólico, o apolíneo domando o dionisíaco no texto do romance, com toda a sua beleza e horror.

Pode-se perguntar se o pai, como pregador da ordem e da sensatez, também do discurso organizado, realmente representa o elemento apolíneo. Talvez a resposta deva ser ambígua como quase tudo no texto nassariano: sim e não. é apolíneo o seu apelo à claridade, às normas, à forma, ao trabalho, e, dentro das artes, à narrativa e à escultura, à figura do pensador de Rodin, evocada duas vezes no romance, nos capítulos nove e trinta. Pois se Dioniso é o deus da dança, dos instintos, das paixões, da embriaguez, do caos, do prazer desenfreado, Apolo ao contrário é o deus do prazer domado ou sublimado, do intelecto, da harmonia, das linhas claras, o que significa ao nível da arte: do verbo e da escultura, ao passo que os dois são responsáveis pela música que tanto faz parte da dança como também da epopéia, do corpo e do intelecto. Mas o pai, aparentemente apolíneo, parece que tem algo de perversamente dionisíaco também: «era a lei que se incendiava [...] tinha substância, corria nela um vinho tinto» (Nassar 1989: 193). Assim, o assassinato, um paroxismo de princípios patriarcais, faz estourar o princípio apolíneo e o leva ao absurdo. A honra familiar, a castidade feminina, ou seja, o estado da vagina, que, no caso da mulher não casada, tem que ser virginal, é uma fixação exacerbada, uma obsessão sexual, onde o apolíneo e o dionisíaco pervertidos se tocam. Quaisquer fanatismos e fixação são pouco apolíneos, pois deixam o homem à mercê de instintos e emoções indomados. E também violam o dionisíaco que é o elemento do viço e da vida. Este fim, o assassinato impulsivo, não está exatamente à altura da auto-encenação e da retórica solene do pai, prejudicando a sua grandeza trágica.

No capítulo trinta, o último do livro, o filho, representante do princípio dionisíaco - ou melhor: um dos representantes, incoerente, pois a verdadeira representante é a irmã - concede a última palavra ao pai. Apesar do crime com que o pai se desmentiu a si mesmo, o filho repete a sua mensagem apolínea, modificada num sentido quietista e até fatalista: evoca a imagem do pensador, apregoando a contemplação e a paciência como virtudes fundamentais, a renúncia às paixões e a submissão ao tempo, ao destino, em outras palavras: à ordem patriarcal, à um patriarcado menos violento e menos apaixonado do que o do próprio pai.

Toda essa história, porém, é contada numa linguagem tão apaixonada e transbordante, tão sugestiva, sensorial e sensual, e, por outro lado, tão domada, burilada, disciplinada e concisa que parece um resgate e ao mesmo tempo uma transfiguração, uma sublimação do dionisíaco ao encontro do apolíneo, união que Nietzsche viu na origem da tragédia clássica. Enquanto na vida real, na atuação das pessoas, esses dois princípios se chocam mortalmente, eles se encontram conciliados ao nível simbólico e estético, no romance trágico de Raduan Nassar.

Nota

*Publicado pela primeira vez em: Dietrich Briesemeister / Axel Schõnberger (eds.): Varietas litterarum lusitanicarum: Studien zu den Literaturen Angolas, Brasiliens, Mosambiks und Portugals, Frankfurt am Main: Domus Editoria Europaea, 2006, págs. 235-276.

[1] Tomei a expressão «transgermanização» de Haroldo de Campos, que, por sua vez, se inspirou no termo alemão «Umdichtung» («transpoetização», ou «repoetização»), um conceito de tradução voltado para a recriação das qualidades estéticas de textos em que a função poética, na acepção de Roman Jakobson, é preponderante. Veja-se Campos (1997); sobre a função poética e outras funções do ato comunicativo e especialmente do texto literário, veja-se Jakobson (1969). Retornar

[2] Nassar (1975; 21982; 31989). Para a tradução foi usada um exemplar da 10a reimpressão de Nassar (31989), de 1999. Retornar

[3] Veja-se reportagem sobre um encontro, no Rio de Janeiro, entre o autor e seus fãs, que não se conformaram com a sua decisão de parar de escrever: Orsini (1989). Esta decisão, de emudecer como escritor, pode ter contribuído um pouco para o seu nimbo, como também aconteceu no caso do americano Jerome Salinger, autor do romance de adolescência The Catcher in the Rye (1951), com o qual Lavoura arcaica às vezes é comparado, e no caso do mexicano Juan Rulfo, autor de dois pequenos livros que lhe deram fama mundial: El Llano en llamas (1953) e Pedro Páramo (1955), depois dos quais se despediu da produção literária para o resto da vida.

São representativas as seguintes resenhas: Carone (1976); Faria (1976); Schnaiderman (1976); Ferraz (1976b) - em artigo anterior, o mesmo crítico havia equiparado o livro a Os cadernos de Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke: Ferraz (1976a); Abbate (1976); Pólvora (1976); Silva (1976); Ucha (1982). A lingüista Edith Pimentel Pinto vê a necessidade de o livro ser traduzido: «é obra que está a pedir tradução para quanta língua seja capaz de a projetar melhor que o português» (Pinto 1976: 22). Retornar

[4] Athayde (1976). Retornar

[5] Um dos poucos desafetos assumidos de Lavoura Arcaica é Martim Vasques da Cunha que admite que nesse romance «a qualidade estética é inegável: sua linguagem elaborada com uma poesia plástica transforma seu panteísmo em algo muito palpável ao leitor, e sua ambição artística é alcançada com sucesso», criticando, porém, a partir de uma ética conservadora, que «apesar de todo o seu estilo bem-sucedido, é uma obra que destrói vários princípios de uma ordem tradicional do espírito», de modo que «entre suas páginas sente-se um inegável cheiro de enxofre» (, acesso no dia 27 de novembro de 2005). Retornar

[6] Perrone-Moisés (1977). Ary Quintella começa a sua resenha assim: «Trata-se de um livro estranho. Estranho: o primeiro adjetivo que me lembro, ao terminar a leitura deste livro estranho» (Quintella 1976). Bella Jozef admite: «Não poderá realizar uma leitura inocente aquele que se aproxima desta obra pungente» (Jozef 1982). Retornar

[7] (Sedlmayer) Pinto (1995). Maria Tai Wolf considera o romance uma elaboração original e moderna dos recursos de uma poética arcaica, diferentemente de autores da mesma época que integravam técnicas de montagem, oriundas do jornalismo e do cinema; veja-se Wolff (1985). Boa parte destas referências e muitas outras referências se encontram na excelente publicação «Raduan Nassar» (1996), do Instituto Moreira Salles. Retornar

[8] Sobre o filme, veja-se Freitas (2001). - O 30° aniversário da estréia de Lavoura arcaica em dezembro de 2005 foi um evento de destaque, comemorado com edição especial do romance (Nassar 2005), leitura e debate públicos, mostra do filme homônimo de Luiz Fernando de Carvalho, e numerosos artigos na imprensa. Veja-se, por exemplo, Colombo (2005), Gonçalves Filho (2005), Machado (2005) e Piza (2005). Retornar

[9] Sobre a intertextualidade dos textos nassarianos, veja-se Lemos (2004). Retornar

[10] No capítulo 20, central para a relação incestuosa entre André e Ana, o texto reza assim: [...] vi o pavor no seu [de Ana] rosto, era um susto compacto cedendo aos poucos, e logo depois, nos seus olhos, senti profundamente a irmã amorosa [...] (Nassar 31989: 141). O mesmo trecho em Nassar (1975: 135) me parece mais expressivo e sugestivo, principalmente por causa da alusão à Medusa que se enquadra bem no veio mitológico-trágico do livro: «[...] vi o pavor no seu rosto, era um susto de medusa cedendo aos poucos, e, logo depois, nos seus olhos, senti profundamente a irmã amorável temendo por mim [...]». «Susto de medusa» me parece mais feliz do que «susto compacto». O texto da edição comemorativa (Nassar 2005) é idêntico ao da terceira edição (Nassar 31989), embora tenha nova paginação. Retornar

[11] Sobre as inevitáveis e constantes insatisfações do tradutor, veja-se Lages (2002). Retornar

[12] Veja-se Lemos (2004: 217-270). Retornar

[13] D. C. Muecke, citado em Lemos (2004: 223). Retornar

[14] Benjamin (2001: 188-215). Retornar

[15] Nassar (1991). A própria tradutora de Um copo de cólera já tinha apresentado Lavoura arcaica aos especialistas acadêmicos em 1993 (Mertin 1993). O filme de Luiz Fernando Carvalho também não passou despercebido pelos conhecedores da cultura latino-americana na Alemanha; veja-se Schwamborn (2002: 42-47). A autora observa que o filme, comparado com o livro, realça os aspectos árabes da história, principalmente por causa da música. é uma interpretação legítima e autônoma do livro, parecida com uma tradução; aliás, é uma tradução, não interlingual, mas intersemiótica. O filme foi exibido em vários cinemas de arte, associações culturais e universidades da Alemanha. O que dificulta uma melhor difusão, inclusive na televisão, é a sua excessiva duração, de três horas. Retornar

[16] Veja-se Hatoum (2004). Retornar

[17] Nassar (2004). A edição alemã, com posfácio do tradutor (Zilly 2004), teve uma tiragem de 2600 exemplares. Saíram aproximadamente uma dúzia de resenhas, inclusive entrevistas com o tradutor, todas positivas, em importantes jornais e outros periódicos impressos, como também em revistas eletrônicas e emissoras de rádio. Retornar

[18] Buch (2004); tradução de B. Z. Retour

[19] Gauger (2004); tradução de B. Z. Retornar

[20] Gauger (2004); tradução de B. Z. Retornar

[21] Sträter (2004); tradução de B.Z. Retornar

[22] Braun (2004). As Lateinamerika-Nachrichten, revista mensal especializada em assuntos latino-americanos, de Berlim, em edição de julho/agosto 2004, escreveu: «Sofra a fome, e eu te recompensarei. O Pão do Patriarca é a extraordinária obra de estréia do brasileiro Raduan Nassar [...] Ele escreve em imagens. Raduan Nassar esboça a juventude conflituosa do filho de fazendeiro André que sofre sob a mão ditatorial do seu pai». A autora interpreta o texto como uma novela dramática que caminha tragicamente para uma catástrofe (Vogel 2004).

Saíram artigos e entrevistas com o tradutor também na Revista Tópicos: Deutsch-Brasilianische Hefte / Cadernos Brasil-Alemanha (Paulo 2004); na Deutsche Welle (Voz da Alemanha), um jornal-internet alemão para o mundo lusófono (Rimon 2004; Mello 2004); resenha falada na rádio RBB (Rundfunk Berlin- Brandenburg, emissora „Kulturradio“, Bielefeld 2005), que opinou: «é uma história de rebelião e submissão, que se desenrola conforme as leis arcaicas de uma sociedade pré-moderna [...]. A linguagem de Nassar é expressiva e apaixonada, sua envergadura se estende do tom do Antigo Testamento até imagens surrealistas. Ela soa alheia e sedutora: um canto grandioso e sombrio»; uma nota anônima num diário de Frankfurt am Main, Frankfurter Neue Presse, 9 de janeiro de 2005; uma resenha falada na Hessischer Rundfunk (HR), da autoria de Elisabeth Braunschweig, em janeiro de 2005; uma resenha anônima nas LiteraturNachrichten da «Gesellschaft zur Fõrderung der Literatur aus Afrika, Asien und Lateinamerika e. V.» («Der Verlorene Sohn» 2004). Outras resenhas, breves, foram publicadas por N.N. (2004) e Raudszus (2005) na internet. Além disso, vários serviços de informação cultural e bibliográfica assinalam o romance, citando a orelha da editora ou trechos das resenhas mencionadas, por exemplo o portal literário Perlentaucher («Mergulhador de pérolas») que é muito lido por pessoas vinculadas à vida cultural; e Nova Cultura, um serviço bibliográfico e discográfico sobre o mundo lusófono, em língua alemã, que coopera com a livraria lusófona TFM (Teo Ferrer de Mesquita), de Frankfurt am Main. O tradutor também foi convidado para numerosas leituras e debates sobre o livro, sobretudo em Berlim, mas também em Jena, Tübingen, Frankfurt am Main, Munique, Frankfurt an der Oder. Retornar

[23] Holanda (1980: 42); veja-se também o comentário sobre a proibição temporária desta música (Holanda 1980: 7). Retornar

[24] Veja-se Candido (1981). Retornar

[25] Veja- se Bosi (1994: 434-435). Retornar

[26] lanni (1976). Retornar

[27] Goffman (1968). Retornar

[28] Veja-se o caso de uma jovem de família turca, assassinada por seus próprios irmãos, por uma questão de honra arcaica (Ramelsberger 2005). Retornar

[29] Sobre o trágico veja-se Hegel (1996: 589-613): «Em princípio, o lado trágico consiste em que ambas as partes opostas têm igualmente razão, ao passo que na realidade cada uma concebe o verdadeiro conteúdo positivo do seu fim e do seu caráter como uma negação do fim e do caráter adversos e os combate, o que as torna igualmente culpadas». (Hegel 1996: 591). Retornar

[30] Nietzsche (1997b). Retornar

[31] «Dabke: Dança típica libanesa marcada pelo forte trabalho dos pés. Esta palavra significa bater com o pé no chão. é uma dança folclórica de roda praticada em vários países árabes, como Líbano, Líbia, Síria, etc. Enquanto os participantes giram a roda em sentido anti-horário, vão desenvolvendo passos no chão. O tronco deve ter uma postura orgulhosa, vertical e com movimento mínimo. O homem tem um papel importante nesta dança folclórica, pois é ele que puxa a roda e executa os passos mais elaborados. Por ser o dabke uma dança muito alegre e contagiante, é possível dançá-la seguidamente por horas sem sentir qualquer cansaço.» (N. N. 2008). Retornar

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